Os sons do progresso
Mariana deita na cama para dormir. Já passa da meia-noite e o dia foi cheio. Tudo o que quer é o silêncio característico de sua terra para descansar. Foram mais de quatro anos morando em São Paulo, primeiro perto do Masp, depois ao lado da Paulista até chegar ao lado da Avenida Bandeirantes. Por isso, mesmo depois de vários meses de volta à Santos, o silêncio até nas principais avenidas da cidade, ainda a espanta.
Sempre soou estranho (com o perdão do trocadilho) a normalidade com a qual os paulistanos lidavam com o caos sonoro da capital. Pensava como era possível se manter equilibrado sem um minuto de silêncio. Mas isso passou.
Adormecendo, ainda naquela fase em que não se sabe se é sonho ou realidade, a garota escuta o barulho de um caminhão passando lá fora acelerado. Depois outro e mais outro. Não é possível, essa rua sempre foi tão calma e o vizinho caminhoneiro nunca chega de madrugada. Na sequência, o barulho é da voz da linha azul do metrô “Próxima estação: Conceição”.
Mariana senta na cama num pulo, o coração acelerado, exatamente como aquelas cenas de pesadelos dos filmes, e olha em volta. O quarto é o seu mesmo, no apartamento tão querido no qual cresceu no Marapé, mas os sons não combinam com o ambiente. Tudo bem, ela pondera, os tempos mudaram, agora aqui em volta já tem o Aquaplay, o Bossa Nova, o Way, todos condomínios enormes. Os carros também triplicaram, a quantidade de pessoas reservadas e/ou mal educadas também tem chamado a atenção, nada parecido com os anos anteriores quando conhecia todos do prédio e muitos vizinhos da rua, mas… mas… Não! Para!
A garota se revolta, levanta da cama e abre a janela. Subitamente, o quarto é invadido por buzinas, pessoas brigando, cheiro de cigarro e freadas violentas de caminhões. Impossível de acreditar! De repente, uma rajada do abafado vento noroeste típico da cidade bate na janela e Mariana acorda. Dessa vez, de verdade. Respira, respira, olha para os lados. Ufa! Foi só um sonho. Agora somente os sons do motor da geladeira na cozinha e do vento nas árvores lá fora.
Claro, o Aquaplay, o Bossa Nova e o Way continuam ali ameaçando a calmaria do bairro antes simples e, cheio de casas, mas ainda estão semivazios. Existe esperança. Pelo menos por esta noite, apenas os sons do vento e da chuva fina que começa a cair acompanham o silêncio tão característico da vida caiçara. Boa noite.