Dar uma chance ao feminismo é questão de sobrevivência
Calma! Não foge ainda, não desiste de mim!
Vim aqui hoje te pedir uma coisa: deixa de lado essa raiva, abre um pouco sua cabeça e lê até o final. Não pretendo convencer ninguém de nada, já que só muda quem quer mudar. Mas pra trazer algumas informações, fazer reflexões e te fazer pensar em coisas que talvez não tenha pensado, ok?
Vamos esquecer ideologias e começar pelo dicionário: Feminismo – movimento que combate a desigualdade de direitos entre mulheres e homens; doutrina cujos preceitos indicam e defendem a igualdade de direitos entre mulheres e homens. Pensando somente nisso, já é muito difícil entender porque alguém que se diz uma boa pessoa, se ofende ou critica uma coisa dessas. Deveria ser o mínimo a todos defenderem, mas vamos em frente.
Lembrando que igualdade aqui se refere a igualdade social. E óbvio que temos diferenças físicas e psicológicas, e nenhuma é melhor ou pior, mas a questão é ser igual perante a sociedade, ok? Seguimos…
É uma luta mundial! Não é “coisa de brasileiro”, que “só aqui pra inventarem essas modas”. O mundo inteiro vem discutindo as questões feministas, as críticas envolvem organizações e personalidades internacionais, as passeatas e os eventos pelos direitos das mulheres acontecem nos Estados Unidos, França, Alemanha, Argentina, Colômbia. A ONU criou uma entidade voltada exclusivamente para a igualdade de gênero – ONU Mulheres – e uma campanha incentivando o apoio e a ação de meninos e homens contra o machismo – HeForShe (Ele por ela, em inglês). Sério mesmo que com tanta gente séria e importante envolvida você acha que não tem nada acontecendo?
Pensa… A primeira onda do movimento feminista surgiu há dois séculos, e se não fosse por essas mulheres que foram às ruas e brigaram (muitas morreram) pela igualdade, hoje você não estaria aqui lendo um texto meu – ao menos não assinado com meu nome – e nem o Juicy Santos existiria, já que foi criado e é mantido por mulheres! “Ai, Bia, mas isso faz muito tempo, hoje não é mais assim.” Não é mais como era (Amém!), mas ainda tem muita coisa pra melhorar. Alguns exemplos básicos, resumidos e baseados em dados oficiais:
– As mulheres ainda ganham menos do que os homens fazendo a mesma função, com a mesma qualidade e experiência. Segundo o IBGE, enquanto os homens recebem no Brasil, em média, R$ 2.251, as mulheres recebem R$ 1.762. Ah, e as mulheres negras recebem menos ainda que as brancas.
– As mulheres empregadas trabalham 7,5 horas a mais por semana nas atividades domésticas do que os homens, também segundo o IBGE. Enquanto eles trabalham 10,5 horas em casa, elas trabalham 18h! Mas ainda assim, muitos homens esperam elogios quando “ajudam” em alguma coisa, enquanto as mulheres “não fazem mais do que a obrigação”.
– Quase 50% das mulheres são demitidas em até dois anos depois da licença maternidade. Mães são vistas como descomprometidas ou mais preocupadas com a família do que com o trabalho, já que precisam dividir seu tempo profissional com atividades como levar o filho ao médico, buscar na escola, ir em reuniões com professores etc. Enquanto boa parte dos homens que são pais não assumem essas funções (afinal, a responsabilidade é só da mulher, certo?). E ainda tem político por aí dizendo que as mulheres tem que ganhar menos mesmo porque engravidam…
– As mães também sofrem quando são solteiras e buscam um novo companheiro. Ou são vistas como mães ruins, que “largam o filho em casa pra ver homem”, ou ouvem dos pais da criança que ela está usando a pensão com “seus namorados”, ou ainda escutam que são promíscuas pelos próprios homens com quem tentam se envolver, já que para eles mãe solteira não presta, não se deu ao respeito. Enquanto os pais solteiros são elogiados como carinhosos, dedicados e exemplares quando postam foto com o filho na visita a cada quinze dias.
– É fato que os homens sofrem mais homicídios do que as mulheres no Brasil, no entanto algumas características precisam ser levadas em conta neste caso: Assassinatos em locais públicos são geralmente cometidos por homens contra homens; já em espaço doméstico, na maioria dos casos as vítimas são mulheres assassinadas pelos seus parceiros, ex-parceiros ou familiares. Quase metade das mulheres mortas foram vítimas de pessoas próximas a elas (Dados das Nações Unidas). É o chamado feminicídio, que muitos não entendem e acham bobagem. Homens são mortos em situações de violência, como assaltos, ou brigas com outros homens. Mulheres são mortas por serem mulheres! Porque homens que fazem ou fizeram parte da vida delas acreditam ter poder e direitos sobre seus corpos e vidas e as agridem quando existe uma resistência a esse poder. O mesmo acontece em relação aos estupros. Estupro é fortalecimento de poder sobre a mulher, não tem nada a ver com sexualidade.
– Aliás, quando uma mulher é estuprada, sempre há o questionamento sobre a roupa que ela usava, o que estava fazendo na rua sozinha ou seu comportamento em geral. Ou seja, a culpa é dela que não se deu ao respeito…
– E mais.. mulheres não são aceitas em várias áreas de trabalho, sofrem assédio diariamente nas ruas, são vistas como grosseiras e loucas quando se posicionam, sofrem pressões estéticas para serem magras e viverem produzidas, são divididas pelos homens entre “pra transar” e “pra casar”, são vistas como encalhadas se não casaram ou escolheram se dedicar à carreira, são criticadas se escolhem não ter filhos, ouvem piadas sobre serem más motoristas, se estão nervosas, “tá de TPM”, se gostam de futebol, são lésbicas, se gostam de videogame ou rock pesado, são postas à prova… Poderia continuar eternamente, mas vou parar por aqui.
Quando todas essas situações acontecem somente com mulheres, está aí a importância da luta feminista!
Eu entendo se você disser que não gosta dos setores feministas mais radicais ou de algumas posturas e atitudes. Ok, eu às vezes também não concordo/compreendo. Às vezes ser mais radical é necessário para chamar atenção. Mas não tire a legitimidade de todo um movimento mundial de décadas. Se você – homem correto e equilibrado – se ofende quando nós dizemos que todos os homens são uma ameaça em potencial, também não critique todo um movimento porque você discorda de algumas pessoas. Não diga que feminista é louca, odeia os homens, não se depila, é aborteira e outras bobagens. Em todas as ideologias existem pessoas diferentes, que se comportam diferente, então foque no fundamento, não no individual.
Também existem – muitas mulheres, inclusive – os que não concordam com o feminismo porque nunca sofreram nada disso, nunca viram nenhum caso, que é bobagem e exagero. Aí, é o momento de buscar aquela empatia dentro do seu coração. Ainda que você tenha tido a sorte de não passar por isso, não julgue os outros pela sua realidade. Sai do seu mundo e olha pra fora. Você não sabe o que é ser mulher, mulher negra, mulher lésbica, mulher pobre, mulher gorda.
O machismo está sim em todos os lados. Seja com as mulheres que ouvem que seu lugar é na cozinha ou com os homens que crescem ouvindo que chorar é coisa de fraco, que não podem ser vaidosos por é coisa de gay, que se usam uma camisa rosa são olhados de lado. Ouça, apoie, mude! Se não entende, pergunte. Se ouviu alguém sendo machista, critique. Ajude a melhorar o mundo para que a gente possa parar de se dividir em rótulos e sejamos simplesmente livres.
Se você chegou até aqui e ainda não entendeu e ainda acha que é tudo chatice, vitimismo, mimimi de mulher mal-amada, é um direito seu, o país (ainda) é livre. Só posso ter pena de você, porque o mundo está mudando e nós não vamos parar.
É importante entender que eu posso até não viver algumas dificuldades ou não compreender, mas enquanto houver alguma mulher no mundo sofrendo simplesmente por ser mulher, eu também sofro e vou lutar até o fim pra mudar essa realidade.
*Texto originalmente publicado no site Juicy Santos