Dia da Mulher. De todas elas!
O dia 8 de março é sempre um dia de muita reflexão pra mim. De análise do que passou, de pra onde estamos seguindo, do que temos realmente a comemorar e o que ainda há para batalhar. Todos os anos digo que o Dia Internacional da Mulher não é um dia de alegrias e presentes. Vamos parar de transformar isso em uma data comercial. É um dia de fortalecimento, de luta, de olhar pra sociedade e perceber se já somos realmente vistas ou somente celebradas nessa data.
Para algumas pessoas, parece ainda difícil entender porque continuamos insistindo e batendo nessa tecla de direitos das mulheres e feminismo. “Antigamente as mulheres podiam reclamar, hoje já podem fazer o que quiser! Trabalham, falam o que querem, usam o que querem, beijam quem quiser.” Eu concordo que décadas atrás era tudo muito mais difícil. Evoluímos muito! Trabalhamos, votamos, usamos calças, temos mais liberdade sexual, mais autonomia. Mas duas perguntas me vêm à cabeça nessa hora: podemos fazer tudo isso mesmo de forma tranquila e sem julgamentos? E todas as mulheres têm esses direitos, sem importar a classe social, a cor da pele, a nacionalidade, a religião?
Evoluímos muito e somos muito gratas por tudo que as guerreiras que vieram antes de nós fizeram, mas ainda temos muito a melhorar. Não é porque subimos vários degraus, que vamos parar no meio da escada. Veja esses dados:
– A cada 5 minutos uma mulher é agredida no Brasil
– A cada 11 minutos uma mulher é violentada no Brasil
– O Brasil é o país que mais mata mulheres trans no mundo
– O homicídio de mulheres negras cresceu 54% nos últimos 10 anos
– A diferença salarial entre homens e mulheres pode chegar a 39%
*dados de 2016 e 2017
Lendo isso, é possível realmente pensar que estamos reclamando de barriga cheia? Vamos parar de olhar só para o mundo padrão classe média branca heterossexual que é mostrado na televisão em geral e lembrar que muitas outras estão em situação diferente e ainda precisam de muita ajuda. Vamos lutar por um mundo melhor, com direitos iguais para TODOS, não somente para quem enxergamos! Temos no Brasil e no mundo mulheres com milhares de características, perfis, experiências e é importante respeitar a diferença entre nós, mas sem esquecer da nossa maior similaridade: somos todas mulheres.
Pensando nessa diversidade de questões e visões, reuni algumas mulheres incríveis para falar um pouco sobre seus caminhos no feminismo, no autoconhecimento e na sororidade (união entre mulheres baseado em companheirismo e empatia). Ainda faltam dezenas de perfis que podíamos reunir de mulheres que têm vivências diferentes no seu dia a dia e teriam muito a acrescentar aqui. Mas com essa pequena participação, espero que você, mulher, consiga se enxergar e perceber o quanto é importante que estejamos juntas. E espero que você, homem, entenda um pouco mais sobre empatia, apoio e liberdade. Isso não é uma guerra entre gêneros como muitos tentam fazer, mas uma batalha por compreensão, respeito e um olhar frente a frente, não de cima pra baixo.
Ah, e pra quem ainda tem dúvida, você pode dar parabéns às mulheres hoje. Desde que esse parabéns reflita com sinceridade a sua crença de que nós merecemos respeito, admiração, direitos iguais e valorização todos os dias e não somente hoje porque alguém disse que é bonitinho.
Com vocês, elas!
Barbara Camargo, 29 anos
Para mim, descobrir que ser como sempre me senti – livre e dona de meu próprio destino – tinha um nome: “feminismo”, foi libertador. Confesso que, por muitas vezes, achei que havia algo errado em minha postura, meu jeito de lidar com os homens, minha atração também por mulheres. Até mesmo a maneira como me expresso, direta e verdadeira, sem pudor, e minha preferência por cerveja a drinks mais doces e suaves foram motivos para eu me questionar. Foi quando entendi o feminismo, que me compreendi. E, a partir daí, me libertei de tudo o que me ensinaram e disseram que eu deveria ser e que nada tinha a ver com o que realmente sou.
No entanto, eu não teria como analisar a importância deste 8 de março sem pensar e repensar na posição da mulher negra nesse cenário. Reconheço que sou uma exceção! Não que eu tenha nascido em berço de ouro, mas tive a melhor educação em tradicionais instituições particulares da minha cidade, frequentei bons médicos, fui criada por uma mãe batalhadora e que, sem seu esforço, trabalho e perseverança, eu nada seria. Mas sei que sou parte de uma minoria.
As estatísticas que rondam as mulheres negras – de qualquer idade – são doloridas: são as com menor escolaridade, ganham menos que a metade do salário de um homem branco, são as que menos se casam (!) e as que mais morrem, seja por decorrência de abortos clandestinos ou por feminicídio.
Por esses e tantos outros motivos que um recorte no feminismo é importante. Lancemos uma luz sobre a importância de focar as nossas ações até que estejamos em equilíbrio para discutir o feminismo de forma ampla. Afinal, se essa não for uma luta que abranja a nós todas, é melhor que não seja luta de nenhuma.
Maria Jose Dias de Freitas, 50 anos
A experiência vivida pela minha mãe em meados da década de 1970 despertou em mim um sentimento de empatia e irmandade em relação às pessoas. As lembranças daquele período junto dela foram fundamentais para entender o que era ser mulher em um mundo masculino. Nos festivais dentro de um grupo de teatro, dirigido por uma mulher, minha mãe dizia que naquele espaço sentia-se fortalecida, existia uma certa igualdade entre elas pois faziam o que gostavam. Ela desafiava o sistema vigente da época. Por isso, esse grupo de mulheres dentro do espaço das artes a deixava mais forte, porque, já naquela época, não eram todas as mulheres que eram unidas.
No entanto, desde muito pequena eu tive o apoio de uma mulher avançada para o seu tempo que me ensinou a enfrentar os desafios, principalmente dentro da escola, pois naquela época os filhos de mulheres separadas ou sem um marido – que era o meu caso – não eram bem aceitos para estudar em colégio de filhos de “casais”. Esse exemplo de mulher me fortaleceu a enfrentar diferentes desafios. Hoje me sinto capaz de falar e agir em defesa da igualdade de direitos, sem importar a cor, a orientação sexual ou religião. Somos mulheres e, mesmo tanto tempo depois, ainda estamos em situação de desigualdade e discriminação, como no tempo da minha mãe.
Assim é um paradoxo pensar que uma não acolha a outra. A nossa união deve ser indistinta, para que juntas sejamos fortalecidas para dar uma resposta ao poder patriarcal que gera violência e subjuga as mulheres. Essa lógica desponta uma nova geração do feminismo, portanto é necessário reconhecer a pluralidade feminina, evitar o antagonismo e as relações de poder que ainda atravessam grupos de mulheres na atualidade. Não há Eu sem Nós! Precisamos cada vez mais nos fortalecer e gerar empatia para reconhecer as assimetrias existentes na sociedade e assim exigir a não violação dos nossos direitos.
Camila Smid, 24 anos
“Porque eu devo viver de acordo com as expectativas dos outros ao invés das minhas?” — 10 Coisas que eu odeio em você, 1999
Foi uma longa e dolorosa jornada, essa de decidir quem eu era. E por muitos anos, quiçá até hoje, as pessoas tentaram decidir isso por mim. Aos treze anos me descobri lésbica, e por anos tentaram me dizer que essa não era eu. Aos quinze me livrei dos longos cachos louros para dar lugar a cortes que outras pessoas diziam ser “masculinos”. As tatuagens vieram depois dos dezoito. Nenhuma dessas coisas definiu quem eu era, mas todas elas fizeram parte do processo da minha lapidação ética, moral e comportamental.
“Lapidação”, sim, pois cada passo foi como golpe em pedra. Desde muito nova eu soube que não me bastava ser o que os outros esperavam de mim: eu precisava, desesperadamente, descobrir quem eu era. E essa descoberta dependia de escolhas que eu deveria fazer, erros que deveria cometer, lições que viriam duras e dolorosas. A gente só aprende quando dói. E foi doendo que eu vi que as imposições que me deram na caixinha de “ser mulher” não me cabiam. Não que eu não fosse mulher; sou mulher antes de ser qualquer outra coisa que há de se formar em mim. Era a caixinha que estava toda errada.
A gente não é obrigada a nada. A gente não é obrigada a ser hétero. Nem homo. Não é obrigada a saia, a cozinha, ao marido, aos filhos, não é obrigada ao lar nem é obrigada a ser contra tudo isso. A única obrigação que temos é conosco. A sua única obrigação é com você. E eu sei que posso contar com todas as mulheres presentes nessa nossa pauta para darem as palavras de união e sororidade que o dia da mulher precisa e merece. Mas eu vim aqui para dizer que, além de unidas, além de umas pelas outras, nós precisamos lembrar de sermos sempre por nós, e não pelo que esperam que sejamos.
Carolina Freitas, 32 anos
Sou uma mulher nascida no Brasil de 1984. No dia em que vim ao mundo Madonna reinava absoluta, com sua Like a Virgin no topo das músicas mais tocadas. Ela cantava aos quatro ventos uma verdade incômoda: uma mulher pode ter voz, poder e prazer. Uma mulher pode ser dona de si.
Eu era bem pequena, mas lembro de ver mulheres feitas comentarem horrorizadas os trajes minúsculos e as pernas abertas de Madonna. Um escândalo! Ela reunia em pouco mais de 1,50m de altura tudo aquilo que as mulheres pareciam odiar ver em outras: era sexy, desbocada e transgressora – ainda é! Vida longa à diva.
Cresci entendendo que vadias não são bem-vindas. Não basta você não ser uma. Você não deve ser amiga de uma e tem de obrigatoriamente ridicularizar uma quando a vir. Deus me livre acharem que eu concordo com essa destruidora de lares decotada! E se você decidir ser uma vadia, por favor, seja discreta. Quando comecei a namorar sério, eu costumava dizer: “eu sei como funciona esse tipinho. Já fui biscate”.
Até que surgiu um negócio incrível no Brasil chamado “Marcha das Vadias”. No início eu pensei: ah, que exibidas essas garotas, de peito e bunda de fora sem propósito. Mas elas gritaram tão alto que eu logo percebi que aquilo não era à toa. Ouvi de uma das manifestantes – linda e semi-nua – que doía ver outra mulher xingá-la de biscate. Aquilo ficou na minha cabeça. Foi quando aprendi na prática o significado de uma palavra que eu só conheceria anos depois: sororidade – me colocar no lugar de outras mulheres e, assim, tratá-las, defendê-las e cuidá-las como minhas irmãs.
Mana – há algo tão lindo nesse termo. Quem pode ser mais preciosa para você do que uma irmã? Não importa se mais nova ou mais velha, igual ou diferente, uma irmã é parte de você. Eu me sinto acolhida e segura se estou entre minhas irmãs e quero que elas se sintam assim ao meu lado também. Somos uma coisa só: seres complexos feitos de corpo, coração, mente. Sejamos inteiras, seja lá em que ambiente estivermos, no escritório ou na balada dançando Madonna. Sejamos, juntas, manas.