Temos muito o que comemorar, irmã!
Olhe para trás. Veja o caminho que percorremos para chegar até aqui. Lembra quando nos disseram que não éramos capazes de ir além por causa da nossa cor? Bem, fizemos duas vezes melhor e provamos para o mundo que o limite é o céu.
Fomos perseguidas na escola, riram dos nossos cabelos, do nosso corpo avantajado. Lembra quando as meninas perguntavam se nossa pele queimava no sol? Fizeram-nos, por muitas vezes, questionar nossas mães sobre o motivo de termos nascido pretas. Os garotos da escola, secretamente, queriam ficar com você, mas tinham vergonha. As avós italianas das suas amiguinhas te chamavam de ‘negrita’, quando você ia fazer trabalho na casa delas.
Não demorou até que você passou a alisar os cabelos, na tentativa de ser igual às outras adolescentes. Era ‘libertador’ usar os cabelos soltos. E, quando ser negro voltou a ser cool, com as baladas black, a gente, finalmente, reencontrou nossa essência.
Na faculdade, quantos e quantas ‘pseudo-desconstruídos’ você encontrou? Homens e mulheres que, na sua frente, enalteciam a sua beleza e a sua cor, mas, pelas costas, remoíam o ódio por você ser cotista. Ousaram dizer que você não se formaria, porque “negros podem até entrar na universidade, mas nunca vão sair”! Quantos diplomas você já tem, amiga? Graduação, pós-graduação? Está pensando na dissertação de Mestrado?
Irmã, fomos duras na queda. Porque, além de enfrentar o racismo diariamente, enfrentamos o machismo também. Muitas irmãs nossas ainda estão sozinhas por todos os traumas e humilhações que sofreram por serem negras. Eu mesma lidei com muita rejeição, ouvi que não era mulher para casar… Mas sabe o que aprendi? Que se não nos curvamos, ninguém montará em nós. Nenhum homem branco vai nos tratar como objeto sexual se não deixarmos. Nenhum homem vai.
Lembra quando você entrou naquela empresa e teve que aturar o assédio sexual dos chefes, daquele cara do administrativo, do motorista, até do porteiro? E quando disseram que você deveria ser passista de escola de samba e, não, médica, cineasta, psicóloga, engenheira, jornalista?!! Você se manteve firme e focou no seu trabalho.
Bem, hoje você é reconhecida por ser uma profissional indispensável, competente e inteligente, porque, para provar que você merece estar onde está, você trabalhou duro, se esforçou em dobro, leu muito, estudou inglês, espanhol, francês. Você merece estar onde está. Não atribua seu mérito a ninguém.
Sabe, irmã, nascemos com a marca da perseguição. Sempre julgadas, apontadas, desprezadas. Foi difícil ligar a tv e não encontrar referências na infância. Foi difícil procurar nos livros de história e não encontrar negras heroínas. Mais difícil ainda é ouvir suas amigas vangloriando a ascendência europeia delas e você, sequer sabe de onde veio. Angola, África do Sul?
Eu levei 30 anos para desaprender tudo o que disseram que eu tinha que ser e os lugares que eu deveria ocupar, por ser negra. Minha militância é diária, individual e silenciosa, e sei que a sua também. Você é resistência. Você é livre. Você transita por todas as tribos, respeita todas as pessoas. Você tomou posse do direito de ser quem você é, como você é. Você se veste, usa seus cabelos da forma como bem entender. Você não precisa de rótulos.
Passamos por tudo isso, sobrevivemos e podemos muito mais! Tem sido uma caminhada incrível e é por isso que temos que celebrar este 20 de novembro de 2016. Dandara estaria orgulhosa de nós.
*Texto de autoria de Bárbara Camargo, 29 anos, negra, mulher, jornalista e com muito orgulho de tudo isso!